7.22.2009

As traças

Enrolada na toalha, passa rapidamente, quase que fugida, por frente ao espelho. Uma leva olhadela, curiosidade que procura evitar, sem desacelerar o passo.
Algo a detém. Ela apalpa o braço, cutuca uma mancha avermelhada que vê pelo espelho. Um pelo encravado, aperta para expremê-lo, mas tem dificuldade. Concentrada e determinada, perde a firmeza com que os sovacos seguram o pano. Ao escorregar, a toalha revela a nudez. É assustador!
A pele mole desagrada, lembrança vaga de um corpo que já foi um todo e que agora é apenas restos de uma vida. Toca o seio murcho, os olhos cerram, memória de um arrepio, que uma vez experimentado, foi tantas vezes desejado. De uma sensação que não se sabe mais se ainda mora ali.
Desce a mão pela barriga enrugada, puxa a pele que um dia delineou uma cintura fina, comentada por todos os amantes. Embaraçada, porém desejosa, toca os fios já brancos e lembra de uma mãe que já faleceu há muitos anos, e que dizia ser proibido.
Sem perceber, geme. Horrorizada, desperta, vê-se no espelho se portando como uma menina. Costrange-se. Censura-se. É patético. O corpo lhe bate na cara. Sua velha!
Cala o choro, e coloca a camisola gelada sobre o amontoado de carne. Deita na cama que cheira a lavanda, presente de natal dos netos. Fecha os olhos. Nos sonhos ela pode ser apenas mulher.

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