8.28.2003

19

— Não, eu já disse! Eu estava parada e o carro veio em minha direção e bateu, quebrando minha lanterna traseira!
— Mas aonde isso aconteceu?
Coloco as mãos sobre o rosto e abaixo a cabeça sobre as pernas, respiro fundo e rezo pra que alguém me de paciência de agüentar mais algum minuto dentro daquela delegacia.
O detetive de plantão, em plena 5:00 horas da manhã, me enlouquece repetindo a mesma pergunta pela décima vez. Me seguro para ser educada, mas sinceramente é difícil manter a calma num momento como esses.
Seu carro batido por um delinqüente sem noção de espaço, você numa delegacia que cheira a mofo, no meio da madrugada e ainda com um detetive que sua feito um cão. Não dá para ter calma numa hora dessas.
— Olha, eu já disse para o senhor que foi na Rua Oscar Freire! Já disse que o cara veio em cima de mim, eu estava parada e ele veio vindo que nem um trouxa e quebrou minha lanterna. Depois o cara fugiu...e que eu saiba, quem vem por trás é quem é o culpado, então o seguro tem que me pagar! Que mais o senhor quer saber?
— A moça não precisa se alterar! Você tem que compreender que é meu trabalho!
— Mas não é nada tão complicado assim! Precisa perguntar tantas vezes a mesma coisa? — olho para o datilógrafo que me encara sério.
— A moça tem que entender que eu tenho que ter certeza de que está me dizendo a verdade — ele me olha sério e desconfiado.
— Mas como?! Se meu carro está batido atrás! — encaro ele revoltada. Mauro me segura sentada no banco.
— Ah, a moça sabe como é, né? Mulher no volante... — ele vira para o datilógrafo e os dois começam a rir sussurrado — Quem me garante que a senhora não foi colocar a marcha e deu ré? — eles caem na gargalhada.
— O que?! — fico ofendida, sem achar a menor graça. Olho para Mauro e ele esta rindo virado de costas para mim. Posso ver suas costas balançando por causa da risada.
— E se a moça esqueceu de apertar o freio de mão? Hahaha — o detetive começa a bater na mesa e engasgar de tanto rir. O outro abaixou a cabeça para rir e Mauro não agüenta e cai na gargalhada também.
— Escuta aqui! Eu achava que estava num local sério, onde funcionários públicos estavam aqui para me ajudar! Mas se não posso contar com isso, amanhã faço o B.O. numa delegacia mais séria! — levanto colocando a bolsa a tira colo.
O detetive me detém, dizendo que o B.O. já está pronto, só preciso assinar. Assino o papel e saio da delegacia com os dois me olhando ainda com um sorriso no rosto! Homens que não têm o que fazer me dão tristeza!
Mauro me acompanha até o carro ainda assustado. Ele se senta no passageiro e fica me olhando.
— Que é Mauro? Vai me zuar também? — digo sem olhá-lo e continuo dirigindo.
— Não, que isso! Não é isso, não? — só estou querendo ver se você esta bem.
— To ótima! To indo para casa e estou ótima!
— Eu posso ficar te fazendo companhia se você quiser — Mauro coloca o braço apoiado no meu banco.
— Que você quer dizer com isso? — olho desconfiada!
— Sei lá, acho que você vai precisar de um ombro amigo — eu viro para ele desacreditando — Você nesse momento frágil.
— Mauro, não acredito! — fico histérica — Você estava com uma garota no meu carro a uma hora atrás!
— Mas aquilo foi passageiro! A gente, a gente tem um lance...
— Um lance? Um lance? — respiro furiosa — Que lance?! Se liga Mauro, mané lance! — paro o carro e ele fica me olhando sem entender.
Olho para frente, respiro fundo e pego algo na bolsa.
— Toma — entrego um papelzinho para Mauro.
— Que isso — ele me olha confuso.
— É um passe de ônibus — olho séria para ele.
— Que isso? Um tipo de tara — ele ri.
— Não! Já são 5 da manhã, já passa ônibus a essa hora! — destravo a porta dele e mando ele descer — Pode ir!
Ele desce e fica parado no ponto, olhando o meu carro se afastar.





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